sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Preconceito

Oi povo! 

Passei dois dias fora de casa, passeando em casa de parentes e amigos na Zona Norte do RJ. Para quem não sabe, muitos bairros da ZN são considerados perigosos devido ao grande índice de favelização. O post hoje começa sobre um episódio que aconteceu comigo no ônibus enquanto voltava para casa.

Peguei o ônibus começando a encher. Sentei em uma das últimas cadeiras disponíveis, perto do cobrador, e por lá fiquei. Coloquei o fone, plugado ao meu modesto mp3, nos ouvidos. Mesmo com o som alto, ouvia murmurinhos vindos de lá de trás do ônibus. Quando vi, eram um monte de rapazes que haviam entrado por trás, junto de algumas moças e, uma delas, com um carrinho de bebê. Os rapazes e as moças não aparentavam ser pessoas pacíficas. Na verdade, pareciam todos ladrões... mas, bom, não tinha nada a fazer. Ônibus cheio, não havia saída: tinha que ficar lá até chegar no meu destino. Continuei com os fones, e resolvi escutar músicas que, dentro da Umbanda Sagrada, chamamos de pontos, visto que são músicas que evocam as forças de Deus para vir escutar nossas preces. Rezei calada. 

Quando cheguei ao meu destino, percebi que nenhum rapaz nem moça lá de trás havia descido. Escolhi um mantra para ouvir - a Canção de Kuan Yin - para me tranquilizar. Meu plano era descer bem rápido. Levantei com o ônibus ainda em movimento, puxei a cordinha e o sinal foi soado. Então, notei que havia uma senhora atrás de mim pedindo permissão para passar. Deduzi que ela queria descer e dei a licença. Tendo feito isso, o ônibus parou no ponto para descermos. A senhora andava devagar, então o motorista ficou parado mais tempo que o normal no ponto, aguardando. Percebi então que me enganei: a senhora sentou noutro banco, e não desceu. O motorista, vendo isso, fechou a porta de trás. Quando eu cheguei nela para descer as escadas, alguns rapazes logo se manifestaram, indicando ao motorista "Calma aí, motorista! A moça vai descer aqui!". Fui tomada por um sentimento de serenidade e amor, olhei para o rapaz que causava mais medo nas pessoas - e que teve a voz mais alta e firme, de forma que o motorista abrisse a porta de novo para eu descer.

Nunca disse um "Obrigada!" com um sorriso tão calmo e sincero para alguém que sentia desconfiança. E o olhei nos olhos para isso. Eu poderia nem ter olhado para ele. Eu poderia simplesmente ter agradecido de forma séria. Eu poderia ter não falado nada... mas eu falei, e falei desse jeito. 

Soa muito sentimental, até pela forma que eu tô colocando essa história pra vocês aqui, mas foi realmente assim! Eu olhei nos olhos daquele rapaz e não vi maldade. Ou melhor: não senti maldade. Não naquele momento. Eu tive o sentimento de oportunidade de mudança, de mostrar pra ele que eu não ligo pro que ele veste, não ligo se ele se comporta de uma maneira que muita gente fica com receio dele ser ladrão. Foi tudo em um milésimo de segundo, porque pouco tempo antes, EU era uma pessoa que também o via assim! 

Lembrei do livro/filme Capitães da Areia (trailer do filme realizado em 2011 no link), que é uma história que me choca muito e me sensibiliza. Não sou a favor de "passar a mão na cabeça de bandido", como é dito pelo senso comum. Sou sim a favor da lei, da justiça, mas também sou a favor da transformação a partir de práticas de amor e paz. O rapaz despertou em mim aquele agradecimento e o sorriso. Eu não quis olhá-lo como o mundo inteiro o olha. Eu quis ser diferente. E quis que ele fosse visto como diferente da maneira que muitos o viam.

São esses pequenos gestos que edificam as pessoas. Eu não sei se esse rapaz só se esconde atrás daquela imagem de "garoto autoritário da favela" ou se ele de fato pratica algo ruim. Se pratica, não caberia a mim esse julgamento. Sei que este episódio me rendeu uma reflexão: o quanto nos apegamos a aparências, o quanto nos deixamos levar pela opinião dos outros e acabamos pautando nossos atos em cima disso? Para fazer nosso mundo melhorar, nosso trabalho de formiga consiste muito em enxergar o outro que tem uma vida sofrida e uma autoimagem ruim, diferente do comum. Se uma pessoa é estúpida e todos ao redor dela falam isso, por que EU vou falar? Será que realçar isso nela não é reforçar essa atitude? Por que não falar do quanto essa pessoa também é doce? Todos temos esses atributos dentro de nós... Cabe ao meio que ela está destacar isso nela, quando ela tiver seus momentos de doçura. Quero fazer parte deste meio. 

Não vou me conformar em ver pessoas que já têm suas vidas inteiras denegridas por pessoas de má fé e ficar de braços cruzados. E isso me lembra uma música do Engenheiros do Hawaii, chamada "Toda Forma de Poder" (escute a música no link), que diz "É tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda tá errada". Não, não é fácil ir adiante...

Bendita senhorinha que andou devagarinho na minha frente e me pregou essa peça de sentar em outro bando e não descer, como eu havia pensado que iria! Se não fosse esse momento, não haveria reflexão ou postagem aqui no Luzes e Nuvens! Fiquem atentos às pequenas coisas que acontecem no dia a dia e que dos transmitem lições importantes. Com isso tudo, pude me dar conta que precisamos nos despir do preconceito que assola nosso globo para permitir momentos singelos e edificantes fluírem, como este que compartilhei com vocês. 

"O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você."
(ditado)



Paz e Luz para todos!

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